Expandindo o Forte das Terras Marginais

Atenção! Esse post é voltado ao Mestre de Jogo e contém spoilers da aventura O Forte das Terras Marginais. Evite ler caso pretenda jogar a aventura.

Nesse post, vamos explorar como podemos aproveitar o fato de O Forte das Terras Marginais ser um sandbox para ampliar o mundo ao redor da área do forte.

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Introdução

O Forte das Terras Marginais foi a primeira aventura em formato físico lançada para Old Dragon. Escrita por Rafael Beltrame e baseada na clássica Keep on the Borderlands para D&D Basic. Era uma tendência da Redbox fazer essa releitura de aventuras clássicas de D&D, sendo seguida por Tumba dos Horrores (Tomb of Horrors) e Expedição ao Pico do Abismo (Expedition to Barrier Peaks). Aparentemente, a falta de novas aventuras pode indicar que essa tendência foi abandonada ou pelo menos está em espera dados os diversos lançamentos na agenda da Redbox como visto em post anterior.

A aventura se apresenta como um sandbox. Esse tipo de aventura tem um plot principal, mas apresenta uma área a ser explorada com diversas missões ou mini-aventuras paralelas. Desse modo, é possível que os jogadores não tenham contato ou interesse em terminar o plot principal, explorando as outras possibilidades ao invés disso. As aventuras paralelas podem ou não estar ligadas com o plot principal.

História e geografia

A área ao redor do forte é tão rica em sugestões de aventuras paralelas com várias deixas para o mestre explorar, como os mercadores que param no forte. O próprio texto da aventura diz que o forte foi construído como um último bastião da civilização em terras habitadas por monstros e bandidos, e que a concentração de goblinóides nas montanhas próximas podem ser uma retaliação, sugerindo que foi uma guerra dos humanos contra essas raças.

Com a passagem de mercadores, é fácil de se supor que, mesmo com esses perigos, a viagem por essas terras é preferível a tomar outra rota ou ir por navio. Se esses mercadores viajam para terras distantes e estranhas, por caminhos perigoso, que tipos de itens e pessoas passam por ali? Um bom pretexto para introduzir personagens de terras diferentes, companhias mercenárias que protegem caravanas, etc. E ainda nesse assunto, o que faz essa rota ser preferível e quais os bens trocados pelas caravanas?

Estabelecer uma história ou pequenas ideias de histórias baseadas na guerra anterior, nos povos originais que criaram as Cavernas da Escuridão e o Forte ajudará a dar mais verossimilhança ao mundo e facilitará a criação do histórico para itens mágicos (“A quem pertenceu essa espada?”, “Essa deve ser Punho Forte, a maça usada pelo grão-mestre da Ordem do Grifo que morreu na guerra contra o goblinóides!”).

Mesmo as Cavernas da Escuridão descritas na aventura podem não ser as únicas cavernas naquelas montanhas. O blog Mapas & Mundos traz tabelas de encontros aleatórios e algumas masmorras nas “Montanhas Nem Tão Distantes Assim” que podem ser colocadas nas montanhas das Terras Marginais, mostrando um outro lado não tocado pelos cultistas do Caos Profano. Ou mesmo todo um complexo de cavernas que leve a ruínas anãs ou às terras dos elfos negros (que podem ter uma saída na floresta).

Na minha campanha, com a guerra ocorrendo a oeste e os ataques de piratas dificultando o comércio por mar, a estrada que passava pelas Terras Marginais era novamente necessária para negociar com os reinos do oriente. Daí veio a necessidade de se atender os pedidos de ajuda do condestável responsável pelo forte.

Hexcrawl

Hexcrawl é um estilo de jogo onde há um ponto de partida, geralmente uma cidade ou vila ou mesmo uma dungeon de onde os personagens escapam, e há todo um mundo desconhecido a ser explorado. O nome deriva do fato dos mapas que descrevem as regiões a serem exploradas serem geralmente subdivididos em uma grade hexagonal ao invés de usar um mapeamento por quadrados, mais comum para dungeons. Casa bem com o estilo sandbox proposto pela aventura. Alguma preparação pode ser necessária para manter uma coerência se o conteúdo dos hexágonos for decidido aleatoriamente.

Como a escala do mapa do Forte das Terras Marginais não foi estabelecida, o mestre tem mais liberdade para subdividir a região em hexágonos do tamanho que for interessante para o jogo. O próprio mapa não indica tudo que há ali, apenas o essencial para a aventura. Há um cemitério perdido ou um antigo campo de batalha (contra os goblins que vimos anteriormente) entre o lago e o forte? Não está no mapa, mas os personagens podem encontrar.

Quanto tempo demora a viagem até as Cavernas da Escuridão? Algumas horas? Alguns dias? Durante toda esse tempo de viagem, muita coisa pode acontecer, muitos locais podem ser descobertos, muitos encontros aleatórios podem acontecer. Tome por exemplo jogos de mundo aberto como The Elder Scrolls: Skyrim. Uma missão principal é colocada para o jogador, mas no caminho para lá, há tanta coisa a ser descoberta e feita que é fácil perder horas com isso antes de retornar para o que estava fazendo.

É possível usar as tabelas do livro d30 Sandbox Companion, de Richard LeBlanc Jr., para gerar aleatoriamente o conteúdo dos hexágonos que os personagens visitam. As fichas de hexcrawl podem ser baixadas no blog Save vs Dragon. A versão impressa pode ser adquirida no site de impressão sob demanda Lulu.

O resultado pode ser mapeado posteriormente usando um software como o Hexographer e outros. Uma série de recursos específicos para hexcrawl é apresentada nesse blog.

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Crenças e deuses

A própria aventura dá pistas das crenças e religiões possíveis de serem encontradas nas Terras Marginais. O Templo do Caos Profano tem uma estátua para adoração do que poderia ser Cthulhu ou o Rei Amarelo. Isso está integrado com a temática Cthulhiana do próprio Old Dragon. O templo do forte também pode ter algum deus associado (a menos que na sua campanha os clérigos possam ser devotados a alguma causa ou filosofia – como as tendências).

Além disso, outros NPCs encontrados também têm suas próprias crenças, como os trogloditas do lago que devem louvar uma entidade própria e as aranhas da floresta próxima ao forte, que podem servir a Arak-Tachna (veja mais em Outros Exemplos como isso foi feito).

Uma opção para permear o mundo com deuses é o livro Petty Gods: Revised and Expanded, uma coletânea de deuses menores, criada por contribuições da comunidade. O PDF é gratuito e as versões impressas (via Lulu) tem custo reduzido. É um livro enorme, com muitos deuses menores das mais variadas coisas, além de itens e magias específicos para alguns deuses. Um desses deuses poderia viver no lago, estar preso no calabouço do forte, ou ser na verdade o deus que os cultistas louvam, enganados a achar que era um dos Deuses Antigos.

Aprofundando os ganchos da aventura

A página 11 traz rumores no Forte, que podem ser entreouvidos em conversas dos guardas, de viajantes na tavernas ou observados ao vivo. Além disso, as regiões descritas na aventura trazem encontros aleatórios únicos, como o “Cavaleiro Cinzento” que é um golem, ou pré-definidos, como o ministro élfico preso pelos hobgoblins.

Quando mestrei essa aventura, o golem era uma criação da família de um dos personagens, um guerreiro vindo de uma família de magos que não queria seguir a profissão. O golem havia sido enviado por um parente para localizá-lo e levá-lo para casa, mas seguia a programação ao pé da letra, usando de violência para isso. O ministro élfico acabou servindo para enfatizar a necessidade de voltarem para a região de onde ele vinha, onde outra busca deles se completaria.

Na sua campanha, o golem pode ser um espírito preso na armadura (pense em Full Metal Alchemist) procurando o mago que o criou (seria ele um cultista, um residente do forte ou sua torre estaria nas montanhas ou florestas?). Se o mago estiver morto há muito tempo, invadir seu covil para buscar um jeito de remover o espírito da armadura pode envolver quebrar as defesas de seu lar e entender como desfazer o ritual.

A pedra que caiu do céu e atraiu os zumbis pode ter sido levada pelo casal de grifos e ser um chamariz de mortos-vivos. Levá-la para o forte para vender pode na verdade fazer com que a caravana do mercador atraia (ou erga) diversos zumbis, ou que o próprio forte seja sitiado. A mesma pedra pode estar sendo procurada pelos cultistas infiltrados com esse mesmo propósito.

Os efeitos do tempo

Considerando que o mundo é vivo, tanto os ganchos quanto a aventura principal vão evoluindo com o tempo. O golem, por exemplo, pode acabar chegando ao forte e causando confusão se não for descoberto e parado a tempo. Mas se os personagens ficarem em uma caçada ao golem nas montanhas, podem deixar que os cultistas fortaleçam o exército (lembre-se que os orcs chegam a cada semana).

Não lidar coms os zumbis na estrada nem com os bandidos na ponte pode deixar as coisas mais perigosas: mais zumbis podem ser criados com os mortos nos ataques e os mercadores podem desistir de usar o caminho pela ponte até que não haja mais ameaça. O forte ficaria sem suprimentos dos mercadores e poderia não resistir a um ataque de zumbis ou do exército dos cultistas.

E após a aventura? A eliminação das ameaças da estrada e das Cavernas da Escuridão pode levar a um crescimento do forte como entreposto comercial, atrair colonos e mineradores que poderiam desencavar terrores ainda maiores ocultos pelas areias do tempo.

Outros exemplos

Os relatos de aventura no blog Conversa de Taverna mostram como todo um mundo pode ser criado em volta da aventura básica. Na visão do Bardo, a floresta perto do Forte onde ocorre o encontro com as aranhas abriga um reino élfico.

O blog Masmorras & Malucos também traz sua visão sobre a aventura, com a denominação do forte de Forte de Santa Terezinha. Nos últimos relatos, Arak-Tachna faz uma aparição, juntamente com a revelação de como nascem os elfos negros daquele mundo.

Outro relato de aventura que mostra como a aventura pode ser expandida são os feitos pelo próprio Beltrame no blog da Redbox. Vale a pena acompanhar os relatos desde o início, onde ele mostra a oportunidade de criar uma vila ao redor do forte, já que a demanda de serviços do forte atrairia uma comunidade à sua volta e traz ideias de como lidar com a aventura.

Na minha campanha, o Forte das Terras Marginais foi um arco da história que havia sido introduzido logo no início, mas foi basicamente ignorado porque os personagens resolveram fazer as missões paralelas (que acabaram tomando mais importância). O fechamento do arco do forte foi feito no final da campanha e culminou na descoberta da motivação de um dos vilões da campanha, um descendente dos bárbaros que foram massacrados na guerra pelos povos civilizados e que planejava a queda da civilização, oculto sob o embuste de um soldado que ascendeu a nobre de confiança do rei. Uma vingança planejada por muitos anos.

Conclusão

O Forte das Terras Marginais oferece, além da própria aventura, um conjunto de ferramentas com as quais o mestre pode criar uma campanha inteira. A própria aventura, se seguida à risca, pode ser mortal para os personagens. Uma exploração desse material pode fornecer meios para que os personagens cresçam em poder e experiência para melhor enfrentarem os desafios das Cavernas da Escuridão, além de expandir o tempo de jogo de algumas sessões para meses ou anos de jogo.

 

6 comentários sobre “Expandindo o Forte das Terras Marginais

  1. Bruno, desde o lançamento do livro eu aguardo uma postagem desse tipo. Não sabe como fico feliz em ver relatos como esse, de como a cada um faz a sua campanha, e o seu uso do Forte.

    Agora já posso morrer em paz

    *Vai em direção à nave mãe levitando vagarosamente

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  2. Precisamos de mais aventuras como ela. Eu já narrei ela três vezes, para grupos distintos, mas sempre com o mesmo plot inicial. Cada vez que narrei, acabou sendo uma experiência completamente diferente, com o grupo tomando atitudes diferentes das do anterior e levando a aventura para outros rumos. Recomento fortemente o Forte das Terras Marginais, seja você novato ou não e quer jogue Old Dragon ou não.

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    • Uma que é bem mais introdutória e tem essa pegada sandbox é a própria “Que as aventuras comecem!”, também do Beltrame e na região da Garra do Urso, meta extra do financiamento coletivo do Guia de Classes. Aliás, as aventuras do Guia de Classes se passam nessa região e dão uma boa descrição de como é a região. Foi a base inicial da minha campanha e recomendaria como um introdução antes da Forte das Terras Marginais.

      O Basic Fantasy RPG tem umas aventuras no mesmo estilo de fornecer uma base e oportunidades. Dá uma olhada no site deles que elas são gratuitas e fáceis de converter para Old Dragon e outros retroclones.

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